Marília Aparecida Muylaert * - psicóloga
Dois assassinatos. Ambas, mulheres.
Uma era médica. Outra era vereadora. Ambas prestavam serviços à comunidade.
Uma branca, outra preta. Ambas levaram tiros na cabeça.
Uma teve seus bens roubados. A outra, sua voz, também. Ambas foram privadas de suas vidas.
Uma foi assassinada por bandidos. A outra também. Ambas, vítimas.
Uma foi notícia privada. A outra ficou estampada nos jornais do mundo. Ambas, estão sob a terra, sós.
Existem inúmeras diferenças entre os dois crimes.
Nenhuma que justifique pesar maior por uma que por outra.
Ambas
são faces de uma mesma moeda perversa: o que nos tornamos no processo
civilizatório para que ousemos fazer distinção entre dores lícitas,
causas justas, injustiças justificáveis, defesa de direitos?
Ambas
deixam claro que o processo falhou. Ambas atestam as diferenças
inconciliáveis a que nos conduzimos. Ambas são vítimas de nossa cegueira
escolhida.
As redes sociais destilam dores e ódios propalados a sete ventos e... colocamos uma contra a outra.
Aqui
as semelhanças acabam e, o que seria o chão comum, torna-se movediço
lodo de discriminação de todo tipo. O olhar para o futuro além da
esquina está turvado pela dor, pela miséria humana, pela pobreza
de caráter.
Insuflamos o peito e os discursos para defender uma OU
outra. Estamos longe de qualquer saída solidária e generosa, muito além
de qualquer ética ou justiça. Nos tornamos nós, os bandidos, os mesmos
que puxaram os gatilhos.
Estraçalhamos
seus corpos entre a esquerda e a direita com um nó de afetos grotescos
ao centro. Matamos mais um pouco e outra vez, covardemente, e
continuamos nos afastando certos de nossas posições, bradando por
justiça enquanto assumimos posições injustas.
Esquartejamos
o tecido social do qual todos fazemos parte, buscando as posições mais
certas, o olhar mais acurado, a análise mais intelectual ou política que
dê conta da barbárie que produzimos. E, tanto faz se nos damos conta ou
não da boçalidade de nossas reivindicações.
A dor move o ódio e a busca
de culpados, sempre do outro lado, sempre bem longe de nós, sempre no
lugar onde não fazemos parte ou sequer nos aproximamos.
Gisele
e Marielle, profissionais, jovens e promissoras. Tinham família e
sonhos. Escolheram profissões que cuidam da Vida, da sociedade, de nossa
continuidade digna. Entender que uma era do cotidiano e
outra do palanque. Que uma era da Vida agora e outra da Vida amanhã.
Nenhuma mais importante, se não vivemos hoje, não há amanhã para ser
construído. Entender que os usos políticos e as causas obscuras das
mortes não validam uma ou outra, e não invalidam também. Estamos sempre
advogando em causa própria, seja para já ou amanhã, este o fardo mais
tramado e inconfessável de nossas intenções.
Ganhar as manchetes do
mundo ou notas de rodapé, não revelam o valor das Vidas. Não há mérito
na morte de quem morre. Não há ética em assassinato. ‘Os bandidos passam
bem’...
Maioria
ou minoria, classe, partidos, políticas injustas ou direitos
garantidos. Linha Vermelha ou Estácio. Condomínio ou favela. O que as
vozes clamam é o direito à Vida. Sim, com letra maiúscula e dignidade e
alegria e luta e...
“Todo mundo tem direito à Vida e todo mundo tem direito igual”
* Marília Aparecida Muylaert é Professora Assistente Doutora do Departamento de Psicologia Clínica da Unesp de Assis.
Não precisa procurar os culpados.Todos nos atiramos na Marielle ao permitirmos a continuação do sistema politico que elege corruptos que implantam o terror, a pobreza.Somos culpados por ver e nada fazer com a construção da UPAS que favorecem os construtores e levam impostos que serviriam para a saude, educação.Somos culpados pelo aumento do narcotrafico, pois nos aliamos e financiamos esses absurdos, permitindo sem fiscalizar entrada dessa porcaria em portos, aeroportos, fronteiras.Enfim , paramos de raciocinar e entregamos a propia sorte os desempregados e familias.toda esse bagunça gera a violencia e abandono que a vitima combatia.Com a morte de Marielle morre nossa esperança de um país melhor, tomado pelo terror.Desordem e bala é o novo lema de nossa bandeira.
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