O texto da amiga Sonia Zagheto é para ler do começo ao fim. É o resumo - num textão, e daí? - do que simboliza o Brasil de hoje. Está no Facebook, mas pedimos licença para reproduzí-lo:
"Teatro Brasilis apresenta sua nova produção, “Quase Ministra”, peça em quatro atos, plágio mal feito da obra de Machado de Assis.
Personagens:
Cristiane Brasil, deputada, candidata a ministra do Trabalho, carente de noção, compostura, vergonha e decoro.
Roberto Jefferson. Pai de Cristiane, raposa experimentada na política, negociador matreiro.
Resumo dos Atos
Ato 1 – Praça dos Três Poderes
Depois
de uma conversa secreta, na qual se trocou cargos destacados por apoio
às reformas – uma prática bastante comum nos arraiais de Brasília –
Roberto Jefferson e Michel Temer bateram o martelo: a filha de Jefferson
seria a nova ministra do Trabalho.
Seria
mais um episódio do toma-lá-dá-cá que rege as relações na capital
federal, não fosse a pesquisa, comoção e revolta que marcaram as
primeiras horas após o anúncio. Descobriu-se que a deputada havia
“esquecido” de assinar a carteira de trabalho de um motorista e foi
processada.
“Quem nunca?”, provocou a quase-ministra, indiferente à
constrangedora situação de que o país, violentado diariamente, teria de
engolir mais um escândalo: o de ter uma ministra do Trabalho suspeita de
haver desrespeitado a legislação trabalhista. Pior, deputada eleita
pelo PTB, aquele partido do qual fez parte Getúlio Vargas.
A Justiça brasileira
cortou-lhe as pretensões. Desprovida de qualquer noção mínima de como
portar-se com elegância perante as adversidades, Cristiane bateu o
pezinho, manteve a candidatura e encomendou o vestido da posse.
Estava convicta de
que não havia problema algum.
Ajudaram-na a se manter firme uns hábitos
consolidados entre as figuras públicas na história recente do Brasil:
negar qualquer acusação, atropelar a realidade e achar bem normal
sofrer acusações e permanecer lépido e fagueiro no cargo.
Quanto
a Temer, cansado de ter voltado atrás em dezenas de decisões, decidiu
bancar a queda de braço justamente no caso de Cristiane. Ou talvez a
conversa de bastidores com Jefferson tenha tido nuances que a pátria
(mãe tão distraída) sequer sonha. O fato é que o governo também bateu o
pezinho na cadência de Cristiane e recorreu para manter a indicação.
O
ato se encerra com um monólogo no qual o presidente da República exibe
seus dotes de ator de filmes da antiga Atlântida: dentro de uma bolha
transparente, desfia um rosário de lágrimas no qual atribui sua
impopularidade ao fato de “as pessoas não gostam não irem com sua cara”.
Um primor da auto-ilusão.
Ato 2 – A Grande Batalha
É o momento mais palpitante da trama, com sucessivas reviravoltas no
roteiro: a Grande Batalha do Judiciário. Começa quando um juiz de
Niteroi, Leonardo da Costa Couceiro, suspende a posse de Cristiane,
considerando que não poderia ser ministra do Trabalho alguém que violou a
legislação trabalhista.
Ação daqui, protesto de lá, recursos
adiante, surge em cena, para breve, porém decisiva, participação a
ministra Cármen Lúcia. A presidente do STF manteve Cristiane no limbo: não pode, filha
(do Sr. Jefferson). O governo tentou reverter a situação em três
recursos à Justiça Federal, mas foi derrotado.
A Advocacia Geral da
União obteve vitória curta em 20 de janeiro, quando o vice-presidente do
STJ, ministro Humberto Martins, derrubou a liminar que suspendia a
posse. Carminha voltou ao palco e pela segunda vez cassou liminarmente o
sonho da quase-ministra.
Ato 3 – Perigo al mare
Contrariada, Cristiane foi relaxar num iate. Poderia, antes de sair
de casa, ter feito uma gravação sóbria, apresentando argumentos, mas
preferiu uma perigosa informalidade. Cercada de depilados
quase-donzelos, exibindo bronzeado em dia, dispôs-se a gravar um vídeo e
agravar a própria situação.
Os alegres acompanhantes a instigavam “Vai, ministra” – Ministra? Ah, aquela que foi sem nunca ter sido, diria Camões, se vivo fosse.
CRISTIANE — Todo mundo tem direito de pedir qualquer coisa na
Justiça. Todo mundo pode pedir qualquer coisa abstrata. O negócio é o
seguinte: quem é que tem direito? Ainda mais na Justiça do Trabalho. Eu
juro para vocês que não achava que tinha nada para dever a essas duas
pessoas que entraram contra mim e vou provar isso em breve.
De fato, qualquer um pode ser acusado
injustamente perante a Justiça trabalhista, mas faltou explicar algumas
coisas um pouco mais complexas, como o fato de o pagamento ao motorista
ter saído diretamente da conta de uma servidora pública, lotada no
gabinete da quase-ministra na Câmara dos Deputados.
Uso de verba de
gabinete? A quase-ministra nega, mas também esqueceu de apresentar os
recibos de reembolso à servidora. Ora, ora, mas não é que isso fere o
tal princípio da moralidade?
Nem papai Jefferson aprovou o vídeo. No Twitter – que desde Trump virou palanque – mordeu e soprou:
JEFFERSON – “Sobre o vídeo, a repercussão
fala por si. Também teve muita deturpação. Eram famílias no barco,
havia crianças passando. Dito isso, penso que uma figura pública deve se
portar como uma figura pública, e usar ferramentas como Facebook e
Instagram apenas em caráter institucional”.
Humm, pensando bem, não, né Mr.
Jefferson? Se havia “famílias no barco e crianças passando”, isso se
tornou irrelevante, pois nenhum deles surgiu na tela. Cristiane também
reclamou que o vídeo estava fora de contexto. Que contexto? Aquele em
que famílias invisíveis e crianças idem estão no barco?
Quanto ao
restante, concordo: figura pública deve portar-se com o decoro (palavra em desuso no Brasil, pesquise para saber do que se trata) correspondente ao cargo. Mas esse conselho, papai só deu agora. Uma pena.
Ato 4. Gran Finale
O pano vai cair em breve. A torcida da
plateia é que não caia nas suas pobres cabeças – de novo. Contra a sua
vontade, os espectadores já foram forçados a pagar o ingresso e são
obrigados a assistir a interpretações toscas de atores ruins, embora não
amadores.
Tudo o que se deseja agora é que a indesejada peça acabe o
mais rápido possível, antes que se inicie a próxima produção da
infindável coleção de tragédias greco-brasileiras."
Ilustração: Vanity, 1890 , pintura de Auguste Toulmouche.
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